quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Sobre duvidar de si mesmo

Faz dias que eu falei sobre a Menina do Alho.
A Menina do Alho sumiu acho que desde esse dia, e eu só reparei hoje.
Não sei se foi o frio, se ela se mudou, se o alho acabou, se trocou de esquina ou achou alguma coisa mais libertadora pra fazer...

O que eu sei é que há dias não a vejo e só hoje percebi que ela não está mais lá.
Olha só, eu nem tinha consciência de que, em oito meses, eu realmente notei a presença dela cotidianamente. Nunca passei sem olhar e apreender.

A verdade, é que agora que não encontro mais com ela, to meio injuriada.
Coisa de doido mas, na minha cabeça passou: Como ela foi embora sem me avisar????
Engraçado, é como se ela me devesse alguma satisfação.
Afinal, nunca trocamos uma palavra, mas nos víamos todos os dias. Achei que tínhamos criado um vínculo silencioso e esfumaçado. Sabe algo como o sentido de consciência coletiva.

Sou dessas pessoas apegadas a familiaridades trazidas por costumes e rituais cotidianos.
Ela fazia parte do meu ritual matinal.
Um minuto depois de sair de casa, parar na esquina, ver a menina e imaginar tudo sobre quem ela poderia ser e o que estaria fazendo alí. Especulando e tentando entender.
Mas ela foi embora mesmo...
E eu...SEI LÁ PORQUÊ... fiquei melancolicamente incomodada com isso...

Agora sim me deu uma impressão de que ela era transparente, inexistente, um fantasma.
Espero não estar enlouquecendo, porque acho que a gente nunca sabe quando está enlouquecendo, alguém geralmente tem que avisar... Ela existiu sim. Ela esteve lá muito tempo. Tempo suficiente pra eu escrever sobre o seu olhar, sua tristesa, sua raiva.
Chamou minha atenção, gastou meus pensamentos, me atormentou a consciência, usou minha imaginação e depois foi embora assim... tão sem sentido, sem motivo, a ponto de me fazer duvidar do que eu vi.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A Menina do Alho

Todo dia saio de casa pra ir trabalhar e sempre fico parada no mesmo farol a três quarteirões de casa.
E lá vem ela...
Uma menina meiga de passo calmo que aparenta ter entre 12 e 23 anos.
Poderia ter qualquer idade entre esse números.

Na primeira vez, achei que tinha 12.
Cara de nova, cabelo no ombro, dividido no meio, preso com xuxinha, calça jeans, camiseta e tênis.
Ela vem lá da esquina oferecendo, de janela em janela, um pacote que chega a parecer um bebê de longe.
Na minha vez, vejo o que é.
É um pacote grande de alho.

A singela Menina do Alho que fica numa esquina de um bairro classe média de São Paulo.
Há meses passo lá, e nunca vi ninguém comprar o alho.

Sempre me pergunto porquê ela vende aquele alho justo alí?
Será que alguém compra?
Que tipo de pessoa compra um saco de alho no trânsito?
Será por dó ou aquele alho foi providencial praquela pessoa?

Passado algum tempo, olho pra Menina do Alho e ela parece ter talvez 23 anos.
O rosto que parecia novo, na verdade, tem marcas ao redor da boca, olheiras e um ar cansado, inérte e desanimado.
Dá pra reparar que o passo não é exatamente calmo, é desiludido.

A Menina do Alho parece não ter nada a dizer ou a fazer que não seja estar vendendo aquele mesmo produto todos os dias pra provavelmente as mesmas pessoas que, assim como eu, alí passam cotidianamente.
Ela não sorri, não acena com a cabeça, não mexe as sombrancelhas, talvez ela nem pisque, eu não sei, é quase transparente...

Como será a vida de alguém que parece não estar vivo?
Acordar, ir lá e passar o dia a ser ignorada?
Quem mandou ela ficar? Será a mãe, será o pai?
Ela não é mal trapilha, tem sempre boas roupas...
Da onde vem essa Menina?

Um dia, quis perguntar se ela realmente vendia algum alho.
Quis dar um chaqualhão, perguntar se andava triste, perguntar porque andava, dizer acorda, sinta, pisque.
Tudo isso passou em frações de segundo no meu pensamento, enquanto ela fazia um gesto para oferecer o alho pra mim. Mas na minha cabeça foi um longo pensamento, foi uma longa indecisão entre fazer ou não.

No entanto, quando olhei – acho que foi a primeira vez que reparei no seus olhos – fiquei muda.
O olhar não se mexia, mas era tenso, era raivoso, era como se me fuzilasse e ao mundo todo.
A respiração era tão rápida que quase não sobrou ar pra mim.
O andar não era vago, era sofrido, era esforçado para estar mesmo querendo fugir.
Era um fazer escravo como remar sob chicotes contendo toda ira.

A meiga Menina do Alho, que depois parecida só desiludida e quase inexistente, na verdade, era pura revolta pronta pra explodir.
Tive medo nessa hora de que tudo acontecesse.
Que toda aquela fúria se inflamasse.

Levei quase oito meses para perceber que a menina era uma bomba-relógio.

Ela odeia estar naquela esquina.
Também não sabe porque vende aquele alho estúpido que ninguém compra.
Se pudesse esfregava o alho na cara de uma patricinha imbecil que passa de carro todo dia naquela rua indo pra uma vida maravilhosa no seu lugar
Se pudesse chutaria uma lataria e gritaria muito alto um grito de basta, vão se ferrar todos vocês!

E eu tinha pena da Menina do Alho, agora eu tenho medo.
Medo dela me culpar, medo de realmente ter uma culpa que provavelmente eu tenho.

Hoje, eu não consigo mais olhar para ela...só pelo retrovisor.
A menina que me causava curiosidade, hoje me causa vergonha da minha vida, da minha classe, de quem eu sou, das oportunidades que tive - e ela nem sonhou – e não peguei.

A Menina do Alho me odeia e eu não posso remediar.
Justo ela que fez tanto por mim e nem sabe...
Acordar,
resisitir,
levantar,
café,
correr,
correr,
tomar banho,
lavar o cabelo,
arrumar a cama,
erguer as almofadas,
cozinhar o almoço,
fazer a marmita,
lavar a louça,
arrumar a mochila,
trocar a bolsa,

O cabelo ta feio!
Secador, escova em
um minuto e meio

sair correndo,

Volta! O jornal ficou na porta.
(30s perdidos)

16 andares pra descer
(1 min perdido)
Subir no carro.
Sair da garagem.
(2 min perdidos)
Tudo em 40 min.
Parar no posto,
por gasolina.

“Anda farol,
sai, caminhão.
Não sabe dirigir, não dirige!
Vaca!
Lentooo, ou é mulher ou é velho!
Calma, ta com pressa, babaca?”

Procurar vaga,
fazer a volta,
manobrar.
Pegar o jornal,
pegar a marmita...

Marmita???!!!
Ficou pra trás na saída apressada
Todo almoço que vai estragar

Descer do carro
Vestir a mochila

Cadê o crachá?
Do lado da marmita.
Oi, Souza,
me empresta o cartão.

Passar na catraca.

“Oi, oi, oi
Oi Stelinha,
Oi Sil,
Oi, oi, oi”

ligar o pc,
garrafa d´água,
pingado da máquina,
abrir o jornal.
Josias escreveu.
Mônica comentou.
Eliane analisou.
O dia ainda só começou,
ainda tem muito verbo pra rolar.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Depois do Chico, a Madonna

Em 2004, não lembro bem porque, talvez porque o Chico tenha anunciado um show naquele ano depois de séculos sem se apresentar, parecia o Centenário do Chico Buarque!

Todo mundo só ouvia Chico, só falava do Chico, só suspirava pelo Chico!
Deve ter sido um dos anos em que o Chico mais comeu gente!

Eu sempre gostei muito do trabalho dele, e quem não gosta, não é?

Mas em 2004 eu falei mesmo "O Chico que se exploda"!!
Nossa, overdose!
Não dava mais pra ouvir esse nome, nem ouvir as músicas.
Contei 8 monografias de fim de curso sobre Chico...e o curso não era de música.
Chico na rádio, Chico na parede, Chico no bar, Chico era Deus, ONIPRESENTE...
Puta saco!
Tudo que é demais enjoa, não?

Em 2004, eu odiei todo mundo por me fazer lembrar dele como Chicaralho...

Aí, pronto! Chegou o tal show e não havia mais divisão social entre ricos e pobres na sociedade.
A nova divisão era pautada em quem tinha e quem não tinha o ingresso pro show do Chico.
O ingresso era a Glória!
Só os vencedores veriam o Chico, o resto pereceria relegado ao esquecimento vazio da solidão humana...
Vi gente chorando por ser relegado ao esquecimento bla bla bla.
Minha vontade era ter um chicote de rabo de tatu pra dar tatuzada em todo emopb que eu visse na frente!

Felizmente, no fim de 2005, Chico era só o bom e velho Chico e nos reconcilhamos.

E quando tudo parecida em paz, três anos depois, A MADONNA RESOLVE TOCAR NO BRASIL!!!

Eu sempre pensei que eu ia certeza num show da Madonna se um dia ela voltasse...

Mas eu não vou gastar nem 1 watt da minha energia (se é que essa é a medida de energia) pra conseguir esse ingresso.
Tem que se inscrever no site, o que não garante nada.
Passar a madrugada na internet vendo o site cair toda hora de tanto acesso, ou acampar na frente da bilheteria (se é que esse esquema medieval ainda funciona).
Puta Saco!

Eu gosto da Madonna.
De novo, quem não gosta?
Os shows dela são mega produção mesmo, queria muito ver um...
Queria... não quero mais.
Madonna que se exploda!! Digo mesmo!!
Eu escuto esse nome em média umas 250 vezes de cada pessoa do meu lado e tem muita gente aqui.
Já tão organizando na baia do lado uma excursão pra Argentina pra ver ela no estádio do River quem não conseguir ingresso...

Quem conseguiu ingresso já colocou como foto no msn, no orkut, no twitter, na puta que pariu pode por isso.

De novo: se vc tem o ingresso vc existe, se vc não tem não é um cidadão.

Gente, chata!

Aí ó de novo, peguei bode de um artista que eu gostava...

Isso é tipo a Monalisa virar estampa de roupa, capa de caderno, brinco, calendário.
Essa reprodução maciça do que é arte, essa banalização febril e volátil do que eu gosto me irrita muito.
Acho que talvez eu entenda hoje porque os indies acusam e abandonam as bandas de rock que assinam com majors e fazem shows pra 6 mil pessoas que só conhecem uma música...

Enfim, eu não amo a madonna de paixão.
Na verdade, eu não sou das pessoas que amam de paixão um artista, uma comida, um livro, um desenho, uma cor ou sei lá o que.
Mas eu tenho muita admiração por ela. Acho os shows muito bem produzidos, sempre surpreendentes e a Madonna tem uma energia e uma capacidade de se adapatar e reinventar (apesar de eu gostar de bem pouca coisa da atual fase dela) de tirar o chapéu, como diria minha mãe.

O bom é que eu sei que isso vai passar quando a Madonna passar.

Porém, já to com medo do lançamento do trabalho solo do Marcelo Camêlo.
To louca louca louca pra ir, mas se tiver muito mais gente louca, elas vão me enlouquecer, eu sei!
Ainda bem que ele não é tão popular no sentido mais torpe da palavra...espero estar certa.